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Mais de 44 milhões de Meticais resultantes dos Impostos sobre a Produção Mineira no Distrito de Moatize não foram transferidos às comunidades locais

Placa ilustrativa do projecto de construção de estrada, no âmbito dos 2.75% – foto: Mídia Lab

Segundo o número 1 do artigo 20 da lei no 20/2014 de 18 de agosto (Lei de minas) é prevista a transferência de 2.75% das receitas provenientes dos Impostos sobre a Produção Mineira (IPM) às comunidades hospedeiras dos empreendimentos extractivos. Os 2.75% são alocados por via da lei orçamental e os fundos são geridos pelas secretarias distritais.

Assim, em cumprimento deste dispositivo legal, o Distrito de Moatize, na Província de Tete, recebeu desde 2013 a 2021 um total de 182.3 milhões de meticais, resultantes de 2.75% do Imposto

sobre a Produção Mineira pago pelas empresas JSPL Moçambique, Lda., Rio Tinto Minas de Benga, Lda., Vale Moçambique, Minas de Moatize e Rio Tinto ICVL Zambeze, Lda. Entretanto para o período em alusão, as mineradoras que operam neste Distrito, em conjunto, pagaram ao Estado moçambicano 7.533.2 mil milhões de meticais (sete mil quinhentos e trinta e três milhões, duzentos e setenta e três mil) de Imposto sobre Produção Mineira, cujo 2.75% deste valor corresponde a 226.6 milhões de meticais. O que significa que do “bolo”, cerca de 44 milhões de meticais não chegou às comunidades locais do Distrito de Moatize.

Tabela 1: Alocação de 2.75% entre 2013-2021 às comunidades do Distrito de Moatize (em milhões de meticais)

Fonte: Mídia Lab, com base nos Relatórios do Parecer da Conta Geral do Estado AT, Execução Orçamental e Conta Geral do Estado 2013-2019

Como se vê, na tabela 1, em 2013 foi transferido o total de 8.7 milhões de Meticais, resultante do total das receitas pagas pelos empreendimentos mineiros do Distrito de Moatize, em 2013, e foram beneficiadas quatro comunidades locais, nomeadamente, Cateme, 25 de Setembro, Chipanga II e Benga. Em 2014 foi transferido pouco menos do alocado em 2013 (4.3 milhões de meticais). Em 2015, a quantidade transferida cresceu para 11 milhões de meticais, por sua vez, a partir de 2016 sofreu uma diminuição de forma sucessiva, até 2018. Mas em 2019, o montante transferido voltou a crescer, atingindo a quantidade de 47.7 milhões de meticais, e o número de localidades abrangidas pela dotação aumentou para cinco, com a localidade de Marara na lista dos beneficiários. No ano seguinte, 2020, registou-se a quantidade máxima (54.1 milhões de meticais) das dotações transferidas, no período 2013-2021, e por fim, em 2021 observou-se um ligeiro decréscimo, igualmente diminuiu o número de beneficiários.

Tabela 2: Evolução das receitas do Imposto sobre a Produção Mineira geradas pelos empreendimentos do carvão em Moatize 2013-2019 (em milhões de meticais)

Fonte: Mídia Lab, com base nos Relatórios do Parecer da Conta Geral do Estado AT, Execução Orçamental e Conta Geral do Estado 2013-2021

Os dados descritos na tabela 2 mostram que em 2013 as empresas mineradoras transferiram ao Estado o total de 313.2 milhões de meticais, de IPM. Em 2014 e 2015 o IPM registou uma subida em relação ao ano de 2013, na ordem de 159.6 e 222.6 milhões de meticais, respectivamente. Em contrapartida o IPM pago em 2016, experimentou uma regressão, em comparação aos anos 2014 e 2015, ao canalizar 373 milhões de meticais. Nos últimos três anos, 2017, 2018 e 2019 o IPM pago pelas empresas, registou um grande incremento, sendo 2017, o ano com maior representatividade, pois as empresas canalizam ao Estado um total de 2.426.2 mil milhões de meticais em Imposto sobre Produção Mineira.

Tabela 3 e Gráfico 1: Dotações transferidas, comparadas com as dotações que deveriam ter sido transferidas entre 2013-2021

Diferença entre o valor transferido e o valor real que deveria ter sido transferido, na base do 2.75% das receitas do IPM, no Distrito de Moatize.
Fonte: Mídia Lab, com base nos Relatórios do Parecer da Conta Geral do Estado AT, Execução Orçamental e Conta Geral do Estado 2013-2019, e dados obtidos na Secretária do Distrito de Moatize

Constata-se no gráfico anterior, que em 2013 foi transferido o valor 8.7 milhões de meticais correspondentes a 2.75% dos 313.2 milhões de meticais de receitas do IPM, efectivamente cobradas em 2013 aos empreendimentos mineiros que operam no Distrito de Moatize. Para o exercício de 2014 foi transferido o total de 4.3 milhões de meticais, entretanto o 2.75% do IPM pago até ao período das transferências foi de 6.3 milhões de meticais, assim sendo, em 2014, a diferença entre a dotação total transferida, e o valor real que deveria ter sido transferido foi 2 milhões de meticais. Para o exercício económico 2015 foi alocado às comunidades cerca de 11 milhões de meticais, sendo que para o ano em referência foi adoptada uma nova metodologia de transferência de fundos às comunidades, que consiste na disponibilização de recursos com base

nas receitas do ano n-1, ou seja receitas cobradas em 2014, neste âmbito, o 2.75% do IPM pago em 2014 (dotação actualizada) teria sido 13 milhões de meticais, observando-se uma diferença entre a dotação total transferida, e o valor real que deveria ter sido transferido de 2 milhões de meticais.

A partir de 2016, a incidência da percentagem de desconto sobre o Imposto de Produção Mineira passou a ter em conta as receitas do ano n-2, ou seja, dois anos anteriores ao ano em que a transferência deverá ocorrer. Entretanto, como resultado da violação da regra de transferência em vigor, a diferença entre a dotação transferida e a que deveria ter sido transferida em 2016, foi de 6.7 milhões de meticais, em 2017, de 8.4 milhões de meticais, em 2018, de 2.9 milhões de meticais, em 2019, ano em que a diferença esteve bastante acentuada, considerando que, no referido ano, o montante que o governo deveria ter transferido às comunidades de Moatize é de 66.7 milhões de meticais, correspondente aos 2.75% das receitas dos Impostos sobre a Produção Mineira do ano 2018, no entanto o governo transferiu apenas 47.7 milhões de meticais, registando-se uma diferença de 19 milhões de meticais, em contrapartida, em 2020 se registou uma diferença positiva de 3.7 milhões de meticais à favor das comunidades. E, em 2021, a diferença foi de 6.8 milhões de meticais.

No geral, a diferença entre as dotações transferidas e as dotações reais que deveriam ter sido efectuadas no período entre 2013 a 2021 é de 44.18 milhões de meticais. Esta situação afecta a transparência sobre o processo de alocação do valor das receitas provenientes dos empreendimentos extractivos, contrariando igualmente o preconizado na alínea d) do artigo 11 da Constituição da República de Moçambique, sobre os objetivos fundamentais do Estado moçambicano, segundo o qual o Estado deve promover o desenvolvimento equilibrado, económico, social e regional do País. Como resultado desta acção, as comunidades locais do Distrito de Moatize enfrentam grandes desafios no acesso a serviços básicos como saúde e água segura. Com cerca de 311448 habitantes, o Distrito possui apenas 14 sistemas de abastecimento de água e 18 Unidades Sanitárias, o equivalente ao rácio de 22.2 mil habitantes por cada sistema

de abastecimento de água e, 17.3 mil habitantes por Unidade Sanitária, ainda aquém da recomendação internacional (10 mil habitantes/Unidade Sanitária).

Irregularidades na implementação dos projectos comunitários, no âmbito dos 2.75%

Segundo a Circular conjunta no 01/MPD-MF/2013, do Ministério da Planificação e Desenvolvimento (MPD) e de Economia e Finanças (MEF), os 2.75% devem ser alocados aos projectos prioritários visando promover o desenvolvimento sócio-económico das comunidades, sendo que, os projectos deverão ser identificados pelas comunidades, sob coordenação dos Conselhos Consultivos Locais (CCL).

São elegíveis projectos de construção infra-estruturas sócio-económicas, nomeadamente, salas de aulas incluindo o apetrechamento; Unidades Sanitárias e o respectivo apetrechamento; represas; mercados; estradas e ponte de interesse local; sistemas de abastecimento de água e saneamento e florestas comunitárias. A secretaria distrital e o órgão responsável pela gestão, em conformidade com as normas de execução do Orçamento do Estado.

Entretanto, na sequência do trabalho de campo realizado pela equipa do Mídia Lab às comunidades locais de Cateme, Chipanga II e 25 de Setembro, no Distrito de Moatize, constatou-se que em 2013, do total de seis projectos financiados, foi incluso a reabilitação da casa do Secretário Permanente daquele Distrito, em violação da circular que determina os projectos elegíveis.

Por outro lado, as comunidades não estão satisfeitas com a qualidade dos projectos executados, no entanto, dizem não ter como intervir, pois os Conselhos Consultivos Locais (plataforma através do qual deve ser garantida a participação das comunidades) são restritos às autoridades locais. Em 2016 foi construída na localidade de Cateme uma represa, para fins agrícolas e abeberamento de animais. No local, apenas capim e lamas estão conservados.

“Aquilo não é uma represa, é um alicerce para construção de uma casa ou de um muro. Em conversa com o Engenheiro da obra me disse que aquela é a qualidade que o governo podia pagar.” Horácio Kambuera, Cateme

Os três fontenários construídos na localidade de Chipanga II, nomeadamente Unidade 1, Unidade 2 e Unidade 3, funcionam com limitações, pois são dependentes do fornecimento de água pelo FIPAG. Como resultado das limitações no abastecimento de água a comunidade recorre ao caminhão cisterna de abastecimento de água, fornecido pela empresa mineradora Vulcan, que faz a distribuição duas vezes por semana.

“No dia em que nos perguntaram, nós escolhemos furos de água com instalação de bomba manual, porque mesmo em Chipanga, de onde viemos, deixamos aquele tipo de fontenário, pois não nos ajudava. Mas eles preferiram fazer o fontenário.ˮBaptista Saize, Chipanga II

Na localidade de 25 de Setembro, foram construídas três salas de aulas de aulas, um bloco administrativo e duas latrinas, com funcionamento a partir deste ano (2022). Entretanto a estrutura actual revela a baixa qualidade já denunciada pelas comunidades locais.

EM ANEXO:IMAGENS DOS PROJECTOS IMPLEMENTADOS NO ÂMBITO DOS 2.75% NO DISTRITO DE MOATIZE

Represa construída na localidade de Cateme-foto: Mídia Lab
Praça da juventude, em construção-foto: Mídia Lab
Três salas de aulas no Bairro 25 de Setembro- foto: Mídia Lab
Estrada de pavê na localidade de Chipanga II- foto: Mídia Lab
Beneficiário da do fontenário na Unidade 1, Chipanga-foto: Mídia Lab

Escrito por: Milagrosa Calangue, Jornalista do Mídia Lab

Ernesto Timbe

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