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Moçambique continua palco de crimes florestais “Made in China”

A exploração de recursos naturais, especificamente da madeira, em Moçambique, tem tomado rumos assustadores nos últimos anos, situação que deixa moradores locais muito assustados.

Moçambique é um país com alto potencial florestal, com cerca de 40,6 milhões de hectares de área florestal e 14,7 milhões de hectares de outras áreas arborizadas. As florestas produtivas cobrem cerca de 26.9 milhões de hectares, número que vem reduzindo devido ao abate ilegal de árvores para a produção de madeira.

Á título de exemplo, o último relatório da Environmental Investigation Agency (EIA), uma organização não governamental Britânica, responsabiliza a China de estar efectivamente exportando o desmatamento ao redor do mundo, tendo concluído que quase totalidade da madeira importada pela China de Moçambique (93%), resulta de abates ilegais, colocando o desbaste nas florestas muito além dos níveis sustentáveis.

Julião Mutuque é um jovem de 31 anos de idade. Reside no distrito de Mabote, na província de Inhambane desde o seu nascimento. Carpinteiro de mão cheia, desde os 15 anos. Usa a madeira no seu dia-a-dia, e descreve o desmatamento que tem vivenciado como assustador nos últimos anos, e aponta os culpados.

“As árvores estão a acabar por causa do abate protagonizado pelos chineses. Tinhamos abundância de Mecrusse, Cimbirre, Chanfuta e outras espécies, mas desde que os chineses chegaram nas nossas matas, tem sido raro encontrar estas espécies por aqui. Há um e outro Moçambicano a extrair, mas os chineses constituem o grosso número, e nós os moradores de Mabote só ficamos com os restos de madeira e não temos benefício nenhum disso”, referiu.

Situação semelhante é vivenciada por muitos Moçambicanos e tem sido denunciada há anos pelos residentes das provincias de Tete, Manica, Cabo-Delgado, Sofala, Zambézia, Manica, e outros onde este recurso é muito abundante.

Moçambique é um dos mais proeminentes exportadores de madeira da África. A maioria das exportações (uma média de 96% entre 2007 e 2013) foram enviadas de navio para a China, uma percentagem abismal, se comparada com a que é usada para a produção de carteiras escolares no país.

Em fevereiro de 2014, a Universidade de Eduardo Mondlane (UEM) publicou um estudo estimando a extração ilegal de madeira em Moçambique, onde consta que em média 66% de toda a extração de madeira entre 2007 e 2012 não foi licenciada, correspondendo à 2,666,942 m3.

Assim, em 2013, quando Moçambique se tornou o maior fornecedor africano de madeiras (por valor econômico) para a China, 46% dos 516,296 metros cúbicos (m3) da importação chinesa de madeira de Moçambique foram contrabandeados para fora do país, mantendo o padrão e a escala dos crimes cometidos por companhias chinesas já documentados pela EIA em 2012.

Só no período entre 2007 e 2013, estima-se que 145 milhões de dólares de receitas fiscais foram perdidos devido à extração ilegal de madeira. Apesar do grande potencial florestal que o país apresenta, a sua contribuição para o PIB só varia de 2 a 4%, uma contribuição considerada bastante reduzida; inversamente, a taxa de desmatamento anual é bastante alta, variando de 0.21 a 0.58%.

Face a isso, o docente e ambientalista Carlos Serra, em entrevista, referiu que as consequências do abate descontrolado de árvores para a produção de madeira, para além de empobrecer o país, ameaça a biodiversidade, podendo criar um desequilíbrio ambiental, o que por sua vez acabaria provocando perda da vegetação nativa, e agravamento das mudanças climáticas.

Como forma de colmatar, Serra acredita que “é função do governo fiscalizar e promover políticas, estratégias e procedimentos para que haja a conscientização ambiental por parte dos operadores florestais”.

Para a engenheira Florestale pesquisadorasénior da Terra Firma, Maria Muianga, a exploração ilegal da madeira e a corrupção em Moçambique podem ser verificadas em todas etapas da cadeia, desde a produção até à exportação.

Apesar da cumplicidade e do envolvimento chinês nestas actividades, a maior responsabilidade recai sobre a fraca governação verificada no país, o que conduz a um maneio insustentável dos recursos. Uma das causas do maneio insustentável, cita Muianga, pode ser a falta de transparência na alocação dos direitos e uso das florestas aliada à pouca disponibilidade de dados-chave do sector para acesso livre às partes interessadas e ao público em geral, e as falhas institucionais que não permitem o cumprimento das leis e regulamentos.

“Outro factor importante, que tem influenciado no maneio insustentável, é a fraca fscalização; não há controle sistemático nas áreas de corte, o que aumenta o risco de incumprimento das leis; o controle sobre o movimento é bastante precário e ineficiente, e este cenário, aliado à fraca disponibilidade de meios de fiscalização e um corpo de fiscais devidamente treinados, favorece à ocorrência de actividades ilegais”, rematou.

Escrito por: Brito Duarte, Jornalista do Mídia Lab

Ernesto Timbe

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