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Empresariado nacional sente-se excluído dos grandes projectos da indústria extractiva

Fonte: DW. Imagem da Bacia do Rovuma em Cabo Delgado onde estão a ser explorados os recursos naturais.

A inexistência de uma lei específica de conteúdo local aliado ao fraco apoio do governo às Pequenas e Médias Empresas (PME’s) são tidos como factores que limitam a participação das empresas nacionais nos projectos de indústria extractiva.

A proposta de lei sobre o conteúdo local foi submetida ao governo pela Comissão de Trabalho da Assembleia da República, em 2019. Volvidos três (3) anos, Moçambique ainda não tem uma lei aprovada. A proposta estabelece os princípios orientadores que devem ser observados pelas multinacionais do sector extractivo na aquisição de bens e contratação de serviços, como também a necessidade de preferência pelos bens e serviços produzidos com recurso a factores de produção nacional e a promoção da participação de pessoas singulares e colectivas no fornecimento de bens e serviços. Mas o destaque vai para a componente do incentivo ao estabelecimento de parcerias empresariais estratégicas entre fornecedores nacionais e fornecedores estrangeiros, facto que poderia garantir a participação das PME’s nacionais nos grandes projectos da indústria extractiva.

Contudo, o Presidente da República Filipe Nyusi, citado pelo jornal “@ verdade” de 30 de Março de 2022, adiantou que “a lei de conteúdo local é insustentável”. No discurso proferido no âmbito da Conferência Anual do Sector Privado (CASP).

Para o empresariado nacional o tempo certo é agora. Tal assevera Inocêncio Paulino, Presidente honorário da Associação das PME’s “então o sector privado acaba não tendo espaço para exigir o que lhe é devido por direito. O sector privado continua sem uma base para exigir tais direitos […] Nós não temos um dispositivo que nos auxilie no processo de advocacia, quer perante o governo, quer perante as multinacionais para perceberem a importância que há em dar oportunidade de negócios ao sector privado.”

Enquanto, Felisberto Botão, representante da mesma agremiação (APME), teceu sobre o assunto no âmbito a mesa redonda organizada pelo Centro de Integridade Publica – CIP. Botão argumenta nos seguintes termos “Sem um instrumento legal que obrigue as multinacionais a incorporar as empresas nacionais, as PME’s moçambicanas continuarão a ser excluídas. A exclusão continuará a acontecer porque as multinacionais que operam no país são também pressionadas a incluir as PME’s dos seus países de origem e, naturalmente, sem este instrumento em Moçambique a preferência será pelas PME’s dos seus próprios países.”

Na mesma ocasião o geólogo e vice-presidente do pelouro dos Recursos Minerais, Hidrocarbonetos e Energia da CTA, José Mendes defendeu ser urgente a aprovação da lei de conteúdo local “não se entendem as razões por detrás do engavetamento da lei do conteúdo local desde 2019, após meses de debate é importante que se aprove a lei porque teremos indicadores para percebermos o impacto que esta terá nas empresas moçambicanas”. O especialista dá o exemplo da Mozal que “investiu no conteúdo local e que hoje colhe os frutos do seu investimento. Há empresas moçambicanas que prestam serviços à Mozal”.

Fonte: Google Map. Imagem de Satélite que mostra o surgimento de várias empresas de prestação serviços complementares à MOZAL.

O caso da SASOL

Diferente da Mozal, está a SASOL, na província de Inhambane em Pande e Temane, nos distritos de Govuro e Inhassoro respectivamente, que por falta de uma lei específica de conteúdo local faltou o envolvimento de empresas nacionais e de particulares no projecto. De acordo com o relatório do CIP, baseado nos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), 17 Anos depois as populações residentes nas comunidades próximas às operações da SASOL não vêm grande mudança, a avaliar pelo peso do PIB real da província de Inhambane, que reduziu de 8,4% em 2011, para 7,2% em 2020, uma redução de 1,1 pontos percentuais. Estes dados mostram o pouco impacto que os investimentos da SASOL no desenvolvimento local.

De acordo com a CTA, até 2014 apenas 30% do procurement desta multinacional era atribuído a empresas moçambicanas. Ademais, desses 30%, uma percentagem significante é feita por empresas limitadas, cuja maioria das acções é detida por estrangeiros, são somente registadas em Moçambique, mas de facto sul-africanas.

Fonte: Google Map. A imagem retrata a situação de isolamento do campo de exploração da SASOL em Temane e Pande vive o mesmo.

Não obstante a inexistência duma lei específica de conteúdo local no sector petrolífero, a lei de mega-projectos (Lei n°. 15/2011 de 10 de Agosto) que impõe que entre 5% e 20% do capital social da empresa concessionaria deve ser reservado para a participação de pessoas publicas e privadas moçambicanas. Ainda assim, Betuel Chau pesquisador do CDD e autor do estudo sobre conteúdo local e responsabilidade social corporativa na indústria extractiva em Moçambique, defende a necessidade da aprovação da proposta da lei de conteúdo local como forma de viabilizar as ligações entre os grandes projectos de exploração de recursos Naturais. Mas Segundo o pesquisador “o sector privado deve se preparar para responder em tempo e em qualidade às exigências das multinacionais de exploração de recursos naturais.

Questionado sobre a matéria, o então, Presidente do conselho de Administração do Instituto Nacional de Petróleo (INP) respondeu nos seguintes termos “A falta de capacidade técnica e de recursos financeiros significam um factor limitador. Contudo, essas empresas podem actuar em ramos que exigem menos custos tal com destaque para o sector da restauração” afirmou Carlos Zacarias enquanto PCA do Instituto Nacional de Petróleo (INP) à margem do lançamento do sexto concurso público de concessão de novas áreas de exploração e produção de hidrocarbonetos, a 23 de Novembro de 2021.

Já em Abril do corrente ano INP divulgou os resultados prévios do concurso 6° concurso, e de acordo com o anúncio dos resultados doze (12) empresas petrolíferas foram pré-qualificadas e o ponto a destacar é que são todas multinacionais de capital estrangeiro. O que para o sector privado significa uma exclusão.

Exploração de gás na bacia do Rovuma

Por mais que seja aprovada a lei de conteúdo local, as empresas concessionarias da área 1 e 4 na Bacia do Rovuma não precisarão de se submeter a lei, pois o contrato celebrado nos termos do decreto lei N° 4/2014, através do qual elas têm direito a estabilidade fiscal e contratual para o período da concessão. Mas também em relação a bacia do Rovuma, todos os custos incorridos pelas concessionárias nos projectos de formação e treinamento profissional, projecto sociais e outros projectos imprescindíveis para as actividades das concessionárias, são custos recuperáveis, o que significa que os gastos serão reembolsados com base nos lucros do projecto.

 Em relação a questão, Inocêncio Paulino defende que o contrato da Bacia do Ruma é um negócio perdido “estou muito claro de que neste processo de exploração do gás do Rovuma o negocio foi muito mal feito, sendo verdade que Moçambique só tirará proveito dos 2% dos ganhos e isto não faz sentido.

Por conseguinte Paulino diz que “a aprovação da lei de conteúdo local pelo parlamento, deve ser uma prioridade nacional, pois só ela permitirá aos moçambicanos desta geração e das vindouras participarem no desenvolvimento económico do país, como parte da economia e não espectadores.” A discussão sobre a lei de conteúdo vem aliar-se aos discursos de diferentes actores em prol da aprovação da lei do fundo soberano, que visa garantir a boa gestão e a sustentabilidade das receitas da indústria extractiva. 

Escrito por: Álvaro Malamba, Jornalista-estagiário do Mídia Lab

Ernesto Timbe

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