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“Moçambique deve criar uma legislação sensível às mulheres na indústria extractiva”, defende Tomás Vieira Mário

Tomás Vieira Mário, Director Executivo da SEKELEKANI.

O Director Executivo do Centro de Estudos e Pesquisas de Comunicação (SEKELEKANE) e jurista Tomás Vieira Mário defende criação de uma legislação sensível às mulheres em questões ligadas à indústria extractiva, pois considera que elas são as que mais sofrem do impacto negativo proveniente da exploração de recursos naturais no país.

Para Tomás Vieira Mário a ideia é haver uma legislação que seja sensível ao direito da mulher e ela não fique excluída por causa de tradições culturais que a excluem quando há indemnizações ou compensações, pois, muitas vezes quem recebe é o marido e não comunica a mulher. “Podia ser que a lei fosse específica e dizer, por exemplo, que o casal deve estar junto na altura da entrega da indemnização para que o homem não fique sozinho com os recursos e use para bens de prestígio como comprar motorizadas no lugar de usarem o valor para a compra de novas machambas”, defende Tomás Vieira Mário.

Palmira Velasco, oficial de programa de gestão de recursos naturais e ambiente do SEKELEKANE e co-autora do estudo “Participação de Mulheres e Jovens nos Processos de Tomadas de Decisões sobre Utilização das Receitas Destinadas ao Desenvolvimento das Comunidades Locais Afectadas pela Exploração dos Recursos Minerais ” também defende que a legislação moçambicana sobre indústria extractiva não olha para a questão da mulher, “Não está nada mencionado na legislação moçambicana sobre a participação da mulher na indústria extractiva. Mesmo olhando para a Lei de Minas, a Lei de Petróleo não tem nenhuma discriminação positiva. Deve-se rever as leis. É preciso perceber que a mulher também faz parte deste país e também contribui para o desenvolvimento económico do mesmo”, defende Velasco.

Por outro lado, as gestoras de projectos do Instituto para Democrática Multipartidária (IMD), Fidália Maculuve e Elisa Muianga, afirmam que as  legislações aprovadas são amigas do género, mas nenhuma delas é discriminatória e sugerem que “as leis ligadas à indústria extractiva devem ser mais explícitas, no que respeita à protecção dos direitos das mulheres. Em toda a cadeia de valores sobre o extractivismo deve haver uma legislação que explicita a integração da equidade de género e artigos específicos que protegem a mulher e a rapariga”.

O IMD defende ser necessário a divulgação das leis existentes, mas factores como a alta taxa de analfabetismo  inibem a percepção das leis e os valores socioculturais que subalternizam a mulher de participar efectivamente neste sector.

Em locais onde são explorados recursos naturais no país, a mulher tem sido a grande vítima dos impactos negativos da exploração dos recursos. “Quando há mineração naturalmente há necessidade de se deslocar às comunidades para mais longe. E aí a mulher é que sofre as consequências porque fica longe das machambas, água e tem que percorrer longas distâncias para ter a lenha”, sublinha Mário.

Segundo Velasco, na província de Nampula, distrito de Angoche, há uma comunidade que perdeu a lagoa por causa da indústria extractiva mineira. “Teve que se fechar uma lagoa, o que é crime, e a outra parte da lagoa está a ser usada para se lavar os minerais”, lamenta Velasco.

Para além de se criar políticas, Velasco diz que é preciso disseminar as leis e a informação, sobretudo, nas línguas nacionais que a mulher percebe, para além da língua portuguesa que muitas mulheres das comunidades não falam.

Legalização de associações femininas

Um dos desafios que as mulheres enfrentam no sector da indústria extractiva em Moçambique é a burocracia excessiva que dificulta o registo de associações de mulheres nesta área. “Há mulheres que têm alguma actividade na extracção de pedras e querem se associar e tem sempre a dificuldade de que a lei de associações é uma lei uniforme e que tem exigências de pelo menos 10 membros fundadores, tem que ter registo criminal, e muitas vezes essas senhoras ficam muito longe das cidades onde podem obter a documentação para registarem as suas associações”, afirma Tomás Vieira Mário.

Para Palmira Velasco, é preciso garantir que a mulher tenha abertura para criar associações de mulheres. “Se ela estiver numa associação com homens, naturalmente que ela vai ser sempre subalterna. Vai fazer sempre aqueles trabalhos de cozinhar, tirar a água e não vai estar realmente a explorar os recursos. Ela será explorada”, sublinha Velasco.

Consultas comunitárias

O artigo 118 da Lei n° 8/2003, de 19 de Maio, cria os Conselhos Consultivos como forma de as comunidades participarem no desenvolvimento do país.

De acordo com a pesquisadora Palmira Velasco, esta lei diz que 30% dos membros do conselho consultivo devem ser mulheres e 20% jovens, mas “pelo menos nas províncias por onde passei, nos distritos onde há exploração de recursos minerais e existem os conselhos consultivos, as mulheres não participam e muito menos os jovens. Velasco avança ainda que “a mulher só vê as coisas a acontecerem. Os homens normalmente vão para lá e não se ouve a opinião da mulher. As empresas vão e começam a fazer a exploração e ela só sabe que tem que sair de um lugar para outro, mas não sabe que vai perder as machambas. Não sabe nada sobre as indemnizações e muito menos sobre a lei”.

Tomás Vieira Mário considera que o nível de envolvimento das mulheres na consulta pública e nos processos de tomadas de decisões em locais onde são explorados recursos naturais no país é quase inexistente. “Ainda é muito baixo, quase inexistente e é pior do que nas outras áreas porque esta é uma indústria essencialmente masculina. Mesmo nas coisas que não são consideradas masculinas, a mulher aparece muito pouco”, sublinha Mário.

Para Velasco a língua portuguesa usada nos conselhos consultivos constitui obstáculo para a participação da mulher. “Primeiro não percebem bem o que é isso de indústria extractiva. Ainda não vi algum documento ou legislação que tenha algumas explicações na língua local em que ela percebe. Fala-se tudo na língua portuguesa. Os debates às vezes estão na língua portuguesa e ela não tem tido acesso a estas informações” disse Velasco, defendendo o uso das línguas nacionais nos conselhos consultivos.

Por sua vez, Tomás Vieira Mário defende maior inclusão da mulher nos conselhos consultivos nas comunidades onde são explorados os recursos naturais para que possam expressar as suas prioridades. “São estas estruturas comunitárias que decidem sobre a distribuição de recursos, a distribuição dos ganhos e dever-se-á encorajar que estes conselhos consultivos incluam mulheres para elas exprimirem nesses órgãos locais aquilo que são as suas prioridades e não serem conselhos consultivos dominados pelos homens que muitas das vezes não tomam em consideração aquilo que são as preocupações das mulheres”, afirma Mário.

Mulher quase invisível na indústria extractiva

Segundo dados do Censo Populacional de 2017, Moçambique conta com cerca de 30 milhões da população. Dos cerca de 30 milhões de habitantes, 15,061 milhões são mulheres e 13,800 milhões são homens.

Apesar de a taxa das mulheres ser maior que a dos homens no país, a sua participação na indústria extractiva ainda é bastante reduzida. Embora o artigo 36 da Constituição da República de Moçambique defender que “O homem e a mulher são iguais perante a lei em todos os domínios da vida política, económica, social e cultural”,  a participação da mulher na indústria extractiva é muito baixa.

A título de exemplo aMontepuez Ruby Mining,empresa que explora rubis na província de Cabo Delgado, conta com um total de 650 trabalhadores contratados directamente pela empresa. Dos 650 trabalhadores, somente 48 são mulheres, representando apenas 7% do número total dos trabalhadores. Já a Kenmare Resources, uma empresa de mineração que explora áreas pesadas na província de Nampula, conta com um total de 1.604 trabalhadores, dos quais 203 são mulheres, o que corresponde a 12% do número total de trabalhadores.

Fidália Maculuve e Elisa Muianga afirmam que a mulher na indústria extractiva em Moçambique ainda participa de forma tímida, tal como noutros países este sector é bastante masculinizado alegadamente por precisar de muita força que a mulher supostamente não possui. No sector formal ela participa mas muitas vezes em áreas administrativas (administração, limpeza). Nas áreas operativas nas máquinas pesadas a sua participação é ainda em pequena escala. Em toda a cadeia da indústria extractiva a legislação deve deixar claro através de cotas a representatividade das mulheres”.

Para reverter o cenário, o IMD sugere que o sector da educação deve promover através de cotas o estímulo para que as raparigas se interessem por áreas técnicas que lhes permitirão ingressar para o mercado de emprego neste sector, promovendo políticas que estimulem o emprego de mulheres neste sector. Os órgãos de fiscalização ligados a diferentes sectores devem monitorar em termos estatísticos como evolui a contratação da mão-de-obra feminina nas empresas mineradoras.

Escrito por: Enoque Daniel, Jornalista-estagiário do Mídia Lab.

Ernesto Timbe

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